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Cada amanhecer me dá um soco

Cada amanhecer me dá um soco

Sinopse

Uma vida de abusos que culmina em um parricídio: esse é o mote central de 'Cada amanhecer me dá um soco'. Autor dos livros 'O monstro' (2007) e 'Animais loucos, suspeitos ou lascivos' (2013), Andrei Ribas não recai na saída fácil de repisar mitologias ou requentar a obsessão e a sanguinolência das histórias de vingança neste novo trabalho. Ao contrário, enfrentando a complexidade do tema, lança mão de recursos narrativos e estilísticos para desvendar o âmago do sofrimento que mobiliza o enredo. E esse movimento desvenda também o desconhecido que nos habita ao nos fazer encarar o que é atroz e violentamente humano. Interessante notar que a construção do volume é feita a partir de detalhes. Andrei Ribas utiliza uma voz narrativa surpreendente para arregimentar uma série de personagens e situações que funcionam como fragmentos (por vezes inesperados) que constroem a história. Dessa forma, ao fornecer indícios aparentemente desconexos, o livro exige participação constante do leitor na composição de um quadro mais amplo – e não há nada mais instigante do que um enredo que nos convoque a participar de sua edificação. E é justamente nesse processo que somos aos poucos cooptados pelo livro: por serem identificáveis por nós, ao encontrarmos as pistas da história e construirmos o enredo, percebemos que estamos muito mais familiarizados com o que é abjeto do que acreditávamos. Não sem querer, portanto, somos estimulados também a debater temas caros à sociedade. E já nos primeiros momentos fica sensível a relação estabelecida entre sexo, violência e loucura. A chave que os une é um impulso que os realiza: desafetos da lógica e da moral, sexo e loucura caminham lado a lado neste livro e, por serem linhas de fuga de uma realidade desacorçoada, são causa e consequência de toda violência. Mais uma vez o autor nos provoca, pois, ao transgredirem limites, seus personagens experimentam outras realidades, tão plausíveis que já não temos mais parâmetros para classificá-las reais ou irreais, uma vez que nós também estamos imbuídos nela, conformados com sua coerência. Se adentramos a história certos de que seguimos um legista intrigado não só pela forma brutal com que um homem foi assassinado, mas também por uma espécie de mensagem talhada no peito do cadáver, aos poucos enveredamos ao absurdo que gestou e culminou no assassinato. No desfecho dessa trajetória, a fim de compreendermos as razões do evento, somos obrigados a abrir mão daquilo que se convencionou realidade, verdade ou certeza. Afinal, esse quebra-cabeça que é 'Cada amanhecer me dá um soco' possui uma lógica particularíssima, e sua razão declina adequar-se a qualquer razão hegemônica, muito embora seja possível mapear nas bulas e receituários psiquiátricos os traumas e gatilhos que justificam o desenrolar dos eventos. Mas ao autor não servem as explicações científicas e por isso ele não é complacente ou se apieda com o leitor: só é possível tocar o sumo da loucura se aceitarmos nossa própria loucura.Desafiador e repleto de vieses e reveses, são tantos os socos de consciência desses personagens que passam a nos habitar ao lermos este livro que nenhuma leitura é impune. Afinal, muito mais grave e potente que a satisfação de uma catarse, o ápice deste trabalho de Andrei Ribas promove o abismo (ou liberdade?) do estranhamento ao nos colocar frente a frente com as múltiplas faces e desejos desses desconhecidos que somos nós mesmos e aos quais, portanto, estamos sempre suscetíveis. - Maurício de Almeida, autor de 'Beijando dentes' e 'A instrução da noite'